Papa Francisco: um comunicador inovador que transformou a escuta em ferramenta de liderança global
Pontífice que faleceu aos 88 anos ressignificou a linguagem da Igreja, aproximou-se dos marginalizados e se tornou uma das vozes mais influentes do cenário internacional.
O falecimento de Papa Francisco, aos 88 anos, encerra um ciclo marcante na história da Igreja Católica e da comunicação institucional em nível mundial. Ao longo de seu pontificado, o argentino Jorge Mario Bergoglio se destacou não apenas como líder espiritual, mas como um comunicador inovador, capaz de romper protocolos, ressignificar a linguagem da Igreja e estabelecer um diálogo direto com o mundo contemporâneo.
Desde sua eleição, em 2013, Francisco adotou um estilo comunicacional baseado na escuta, na proximidade e na simplicidade. Recusou formalidades e símbolos de poder, optando por uma linguagem acessível e por gestos simbólicos de forte impacto. Em vez de impor doutrinas de cima para baixo, abriu canais de diálogo com diferentes setores da sociedade, especialmente com os que historicamente foram deixados à margem.
A comunicação, para Francisco, foi mais do que estratégia institucional — foi prática pastoral e expressão de cuidado. Ele compreendeu que, em um mundo saturado de discursos e disputas, o poder de ouvir com atenção era revolucionário. Ao colocar a escuta no centro da sua liderança, redefiniu o modo como a Igreja se relaciona com fiéis, comunidades e até mesmo com aqueles que não compartilham da fé católica.
Sua presença digital reforçou essa escolha. A conta @Pontifex no X (antigo Twitter), criada em 2012 por Bento XVI e assumida por Francisco pouco depois de sua eleição, tornou-se uma das mais influentes entre líderes globais. Com cerca de 50 milhões de seguidores em nove idiomas — incluindo latim, que surpreende com mais de 1 milhão de usuários — a plataforma foi usada de forma estratégica para ampliar a comunicação do Vaticano, especialmente com os mais jovens. Francisco soube adaptar-se às linguagens das redes sem abrir mão de princípios e valores.
Em 2016, o papa lançou também a conta @Franciscus no Instagram, que ultrapassou os 10 milhões de seguidores. Nela, o Vaticano publica diariamente fotos, vídeos, trechos de discursos e registros das atividades do pontífice. Seu último vídeo na plataforma, um trecho da missa do Domingo de Páscoa, recebeu mais de 900 mil curtidas.
Ainda que usasse essas plataformas com habilidade na sua gestão, Francisco jamais deixou de alertar sobre seus riscos. Em diversas ocasiões denunciou os efeitos nocivos das redes sociais, incluindo a manipulação de dados, a desinformação e o isolamento. Em mensagem para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 2019, escreveu: “Elas também se prestam à manipulação de dados pessoais”. Em janeiro de 2024, diante das suspeitas de que o X (sob comando de Elon Musk) estaria contribuindo para desinformação na Europa, voltou a condenar a “polarização e o controle de dados por poucos centros de poder”.
Seu olhar crítico se estendeu à inteligência artificial. Em junho de 2024, descreveu a IA como “um instrumento fascinante e tremendo”, alertando para seu uso em armamentos e manipulação de consciências. Ele mesmo foi alvo de montagens geradas por IA que viralizaram nas redes — incluindo imagens em que aparecia com trajes de luxo ou em situações fictícias, como navegando em um barco ou se casando. A mais icônica, de março de 2023, mostrava o papa usando uma jaqueta da marca espanhola Balenciaga em estilo rapper. Mesmo assim, o Vaticano buscou caminhos de evangelização digital, com iniciativas como os aplicativos CatéGPT e HelloBible, voltados ao ensino da doutrina católica com uso de tecnologia.
Essa abordagem se evidenciou também fora do ambiente digital. Em encontros com lideranças populares, visitas a campos de refugiados e mensagens em prol da justiça social, Francisco demonstrou consistência entre o que dizia e o que praticava. Em 2019, durante o Sínodo para a Amazônia, ele reforçou a importância da escuta ao dar visibilidade a povos indígenas e populações da floresta em um dos espaços mais tradicionais da Igreja.
O legado de Francisco como comunicador vai além do conteúdo das mensagens que transmitiu. Ele contribuiu para ressignificar a comunicação institucional da Igreja, adotando uma abordagem centrada na escuta, na clareza e na proximidade com diferentes públicos. Sua atuação combinou presença pastoral, uso estratégico de plataformas digitais e gestos simbólicos que reforçaram sua credibilidade como líder religioso e figura pública global.
Em um cenário marcado por discursos polarizados e disputas por autoridade, Francisco se destacou por uma comunicação orientada ao diálogo, à mediação e à escuta ativa. Seu pontificado deixa contribuições relevantes para o campo da comunicação social e para o exercício de lideranças mais humanas, empáticas e conectadas com as transformações do mundo contemporâneo.