Empreendedorismo Sustentável: tendência que une desenvolvimento e produtividade
Esta reportagem faz parte da Série Especial "Empreendedorismo Sustentável - soluções e desafios para o futuro do planeta", da Rádio Cultura FM

Você sabe o que é bioeconomia? É um modelo de produção industrial e econômica que se baseia na utilização de recursos biológicos, que não agridem o ecossistema. As comunidades tradicionais, que possuem formas próprias de organização social, ocupação e uso de territórios e recursos naturais, são os principais pilares desse tipo de economia ecológica.
Há mais de três séculos, o Quilombo do Abacatal, localizado em Ananindeua, no estado do Pará, é um exemplo de resistência e luta pela própria identidade e direitos. A comunidade é formada por 150 famílias descendentes de pessoas escravizadas que fugiram e se estabeleceram na região para manter viva a cultura.
A jovem estudante Emanuela Cardoso, coordenadora de patrimônio da Associação de Moradores do Quilombo do Abacatal, fala sobre a gastronomia ancestral do local, que consiste na produção do próprio alimento — desde a colheita até a elaboração de receitas que servem às mais de cem famílias do quilombo.
“O exemplo puro e claro é o açaí. Nós plantamos o açaí de várzea, de terra firme, que é nativo nosso, colhemos e, não só alimentamos nossa família, como também conseguimos doar a quem está perto. É algo que vai além da minha família, vai aos vizinhos e aos amigos. Isso é ancestral do nosso território quilombola. Esta forma de viver, produzir e consumir nosso alimento saudável”, destaca.As famílias do Quilombo do Abacatal produzem chás de ervas, mandioca, farinha, tucupi e uma adaptação do vatapá, que antes era feito com trigo e hoje é preparado com macaxeira, que é mais saudável. São receitas cujas origens remetem às raízes afrodescendentes dos quilombolas. Emanuela Cardoso relata que, para as famílias do quilombo do Abacatal, os alimentos representam algo além de nutrir o corpo — são integrados à natureza, curam, alinham e trazem todas as formas de subsistência para as pessoas.
“Para nós, não é só comer para encher a barriga. É comer, também, para se curar. As nossas ervas, o nosso açaí mandioca e macaxeira fazem parte disso. A produção é totalmente orgânica, nós não usamos nenhum tipo de química, pois isso não faz parte de nossa tradição. Trabalhamos de acordo com a natureza, ela nos fornece e nós a protegemos. Uma tradição nossa muito importante são os nossos xaropes, remédios caseiros e chás de ervas que produzimos dentro do território”, comenta.
Educação e agricultura familiar
Esses quilombolas sobrevivem da agricultura familiar, por meio da plantação, colheita e comercialização de produtos naturais, sem o uso de agrotóxicos — algo que atrai o interesse cada vez maior de consumidores que buscam, nessa atividade, melhor qualidade de vida. Entretanto, a expansão e o crescimento das áreas urbanas atingem diretamente essas comunidades, que perdem espaço para novos empreendimentos, como os da construção civil. E, para manter viva essa economia sustentável, que carrega consigo um legado de cultura e tradição, são necessárias soluções inovadoras, como o projeto Incubadora de Produtos e Serviços da Bioeconomia Amazônica, desenvolvido na Escola Técnica Vilhena Alves, instituição estadual de ensino de Belém, localizada na Avenida Magalhães Barata. A iniciativa conta com uma dinâmica diária de apresentações, palestras, pitches e mentorias direcionadas aos alunos da escola, que podem entender e captar oportunidades a partir da sociobiodiversidade da Amazônia.

O projeto tem como pilar a valorização do conhecimento dos alunos, que possuem grande potencial para gerar produtos e serviços sustentáveis. Ele nasce do aproveitamento das ideias dos estudantes, que já criaram perfumarias, aplicativos e vinagre de banana. O projeto se baseia em três princípios: produtividade, criatividade e sustentabilidade. Kátia Garcez, professora e coordenadora do projeto Incubadora, destaca que a iniciativa oportuniza mais um diferencial para os alunos no mercado de trabalho.
“Oportunizamos estágios, ecoturismo de base comunitária e muito mais. Toda essa valorização da dinâmica do projeto acontece mediante a formação que os alunos recebem no espaço escolar, de todo um planejamento que nós temos no início do ano. Neste momento, estamos na construção de planos para que estas ações aconteçam na melhor forma possível e os melhores resultados sejam alcançados”, constata.
Bioeconomia no Pará
O Pará é o centro da bioeconomia no Brasil e congrega uma rica sociobiodiversidade. O estado é líder nacional na produção de açaí, abacaxi, cacau, dendê, mandioca e pimenta-do-reino. O Pará também se destaca na criação de búfalos e na produção de soja e milho.
A Universidade Federal do Pará, por meio do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, desenvolveu, durante décadas, diversos estudos referentes à bioeconomia — mesmo antes de esse nome ser cunhado. Rafael Barbieri, economista sênior da WRI Brasil, ressalta que um dos aspectos mais importantes desses estudos foi estimar o PIB que essa economia ecológica gera na Amazônia e no Pará.
“No Pará, esse PIB já é de 9 bilhões, o que representa cerca de 3,5% do Produto Interno Bruto do estado. Infelizmente, a maior parte das atividades da bioeconomia é informal e isso não é registrado. Agora, nós vivemos um momento que tem uma conjectura muito boa para alavancar este segmento. O Estado do Pará tem um tripé de políticas voltadas a este propósito”Esse tripé de políticas bioeconômicas inclui um programa de territórios sustentáveis, de recuperação da vegetação nativa e de bioeconomia, que podem alavancar esse desenvolvimento ambientalmente correto por meio da restauração da floresta nas áreas necessárias — seja por restauração assistida ou por sistemas agroflorestais.
Uma pesquisa feita pelo Instituto WRI Brasil, que atua no desenvolvimento de estudos para garantir que as pessoas tenham o essencial para viver, proteger e restaurar a natureza, mostrou que, entre os recursos já captados, em captação ou com grande potencial de captação nos próximos cinco anos, existem cerca de 400 milhões de reais em possíveis investimentos do governo e da iniciativa privada nas cadeias produtivas da bioeconomia do Pará. Além disso, há a necessidade de estimular a demanda por esses produtos, principalmente a partir do PNAE — Programa Nacional de Alimentação Escolar —, que lidera, em várias regiões, a distribuição de merenda escolar com bioeconomia. Alguns locais do Pará, como o município de Altamira, no sudoeste do estado, possuem uma merenda escolar com 25% dos produtos oriundos da bioeconomia. Um dos maiores desafios mundiais hoje é o equilíbrio do ecossistema. Mudanças climáticas e fenômenos naturais catastróficos mobilizam pesquisadores de todas as partes do mundo em conferências climáticas, como a COP 30, que acontecerá em Belém do Pará, com o objetivo de buscar respostas e apresentar soluções para salvar o planeta e preservar as espécies.